quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Trecho do diálogo do Creonte (dono de tudo no lugar) com Jasão ( o malandro do morro), que trai o seu povo.


O enredo serve de pretexto, no entanto, para que se discuta o poder do dinheiro, a corrupção e a entrada das multinacionais no país. O diretor Luís Antônio Martinez Corrêa comenta, na época da estreia: "Localizamos a peça no fim do Estado Novo, porque sentimos muita afinidade entre aquele processo e o período que estamos vivendo. (...) Na Ópera do Malandro se discute a decadência de um sistema econômico, social e político e as alternativas criadas por ele, com roupagem nova, para se manter no poder. A base, a estrutura desse sistema é a mesma, só que mais moderna, mais sofisticada. Assistimos ao fim do capitalismo liberal e à entrada no país do capital internacional, através das multinacionais".2 Se Brecht dramatiza as relações econômicas que configuram o capitalismo moderno, na versão brasileira da ópera também é o dinheiro o seu personagem principal. Nela, segundo Chico Buarque, "não há heróis, todos os personagens vivem em torno do capital. Na luta pela sobrevivência que não permite veleidades éticas eles estão em dois níveis: o dos que lutam para sobreviver e o dos que lutam para acumular".

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Creonte – [...] 
Vou lhe dizer o que é que é o brasileiro 
alma de marginal, fora da lei, 
à beira-mar deitado, biscateiro, 
malandro incurável, folgado paca 
vê uma placa assim: “não cuspa no 
chão”, 
brasileiro pega e cospe na placa 
Isso é que é ser brasileiro, seu Jasão... 
Jasão – Não, ele não é isso, seu Creonte 
O que tem aí de pedra e cimento, 
estrada de asfalto, automóvel, ponte, 
viaduto, prédio de apartamentos, 
foi ele quem fez, ficando co’a sobra 
E enquanto fazia, estava calado, 
paciente. Agora, quando ele cobra 
é porque já está mais do que esfolado 
de tanto esperar o trem. Que não vem... 
Brasileiro...

Jasão – Seu Creonte, eu venho do cú do mundo, esse é que é o meu maior tesouro 
Do povo eu conheço cada expressão, cada rosto, carne e osso, o sangue, o couro... 
Não fique pensando que o povo é nada, carneiro, boiada, débil mental, pra lhe entregar
tudo de mão beijada.  
Quer o quê? Tirar doce de criança? 
Não. Tem que produzir uma esperança de vez em quando pra a coisa acalmar e poder
começar tudo de novo. 
Então, é como planta, o povo, pra poder colher, tem que semear. 
Chegou a hora de regar um pouco. Ele já não lhe deu tanto? Em ações, prédios, garagens,
carros, caminhões, até usinas, negócios de louco... 
Pois então? Precisa saber dosar os limites exatos da energia. 
Porque sem amanhã, sem alegria,um dia a pimenteira vai secar. 
Em vez de defrontar Egeu no peito, baixe os lucros um pouco e vá com jeito, bote um telefone,
arrume uns espaços pras crianças poderem tomar sol.
Construa um estádio de futebol, pinte o prédio, está caindo aos pedaços.   
Não fique esperando que o desgraçado que chega morto em casa do trabalho, morto, sim,
vá ficar preocupado em fazer benfeitoria, caralho! 
Com seus ganhos, o senhor é que tem que separar uma parte e fazer melhorias.
Ao terminar, reúna com todos, sem exceção e diga: ninguém tem mais prestação atrasada.
Vamos arredondar as contas e começar a contar só a partir de agora...

Egeu – [...] Todos dando duro no batente a fim de ganhar um ordenado mirradinho, contado, pingado... 
Nisso aparece um cara sabido com um plano meio complicado pra confundir o pobre fodido: 
casa própria pela bagatela [...] parcela por parcela [...] o trouxa fica fascinado... [...] 
O tempo vai passando e lá vem taxas, caralhadas de juros, correção monetária [...] 
o jumento é teimoso, ele bate co’a cabeça pra ver se a titica do salário aumenta, faz biscate, 
come vidro, se aperta, se estica, se contorce, morde o pé, se esfola, se mata, põe a mulher na vida, 
rouba, dá a bunda, pede esmola e vai pagando a cota exigida...






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